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Divertida Mente 1 e 2 - Mergulhando nas profundezas da mente

Atualizado: 7 de mar.

Uma analogia animada para nossas emoções

Já pensou como seria ter vários personagens dentro de nossos cérebros decidindo nossas reações emocionais e até mesmo as nossas ações? E se nossas emoções tivessem vida própria e agissem como personagens na sala de controle dentro de nossas cabeças, guiando nossas ações e reações?

personagens de divertidamente 2 olhando para baixo

É uma ideia tão curiosa que não surpreende o sucesso que têm sido os filmes do "Divertida Mente" da Disney-Pixar. Um agradável entretenimento, mas, além disso, uma rica reflexão e análise psicológica sobre a complexa teia de sentimentos que nos molda.


Ao longo dos dois filmes, podemos acompanhar a trajetória de Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho (e demais emoções no filme 2) e como suas interações conflitam, cooperam e moldam as experiências da jovem Riley, conduzindo-a através dos altos e baixos da vida.


Mas até que ponto essa representação animada faz sentido? Pode parecer uma grande simplificação, mas há uma surpreendente profundidade na forma como o filme retrata as complexas dinâmicas emocionais.


Naturalmente, nossas emoções não assumem uma forma física corporal nem têm diálogos engraçados entre si, mas a analogia de "Divertida Mente" permite a pessoas de todas as idades entender de uma forma acessível e intuitiva os processos emocionais que ocorrem conosco, conscientizando-as sobre a importância das emoções – cada uma com seu valor e propósito.


Cada personagem, com características próprias, simboliza uma faceta do nosso estado emocional e nos ajuda a entender como diferentes emoções são importantes e influenciam nossa forma de pensar e de agir. Com a Alegria, por exemplo, buscamos felicidade e satisfação; enquanto a Tristeza, que comumente é subestimada, mostra-se essencial para a empatia e o processamento de perdas.


Por outro lado, será que é possível ver a nossa mente como uma sala de controle onde diferentes emoções disputam a liderança? Ou essa visão é simplista demais para capturar a complexidade do cérebro humano? Até que ponto essa analogia ressoa com a realidade das nossas experiências emocionais?


A sala de controle emocional: Quão realista é?

"Divertida Mente" oferece-nos uma metáfora intuitiva que auxilia a visualizar e compreender como diferentes emoções influenciam nossas ações e pensamentos.


Nojinho, Alegria, Raiva, Medo e Tristeza de Viertidamente olhando para a tela

Ainda assim, atentemos para não perder de foco o que ele traz: uma metáfora. A metáfora da sala de controle é útil, embora a realidade do funcionamento cerebral seja muito mais complexa. O cérebro humano não opera com componentes individuais lutando pelo controle, tampouco apenas as emoções estão envolvidos nos processos de decisão, tudo ocorre através de redes neurais intrincadas e interconectadas, com a atuação de neurônios, neurotransmissores, sinapses e outros componentes.


Vejamos alguns pontos que exemplificam tal complexidade:


  • Interação entre emoções: as emoções não atuam como entidades separadas em nossos cérebros. Na verdade, elas se sobrepõem e interagem constantemente. A amígdala, por exemplo, está envolvida no processamento do medo e também está conectada a outras regiões que regulam emoções diferentes.


  • Regulação emocional: o córtex pré-frontal tem papel fundamental na regulação emocional. Ele auxilia a moderar respostas emocionais e promover comportamentos adaptativos e tal função não é representada por um único personagem, mas por um sistema de controle complexo.

  • Neurotransmissores e hormônios: a mediação de emoções e estados de humor são influenciados por substâncias químicas (como dopamina, serotonina e cortisol). Também há uma complexa e dinâmica interação entre neurotransmissores que atuam no nosso funcionamento cerebral para resultar em nossas reações emocionais e comportamentais.

  • Experiências pessoais e contexto: nossas experiências passadas, aprendizados e circunstâncias de vida influenciam as nossas emoções diante das situações que presenciamos. Apesar disso, a plasticidade cerebral permite que nossas respostas emocionais se adaptem ao longo do tempo, refletindo novos aprendizados e crescimento pessoal.


Dito isso, vamos aprofundar e considerar as reflexões que Divertida Mente 1 e 2 nos proporciona.


Emoções em ação

O sistema límbico e seu funcionamento na regulação das experiências vivenciadas pelo sujeito são importantes nesse contexto do filme e das emoções. Este sistema tem sua função voltada para as emoções e o comportamento social do indivíduo, sendo necessário para a regulação e inteligência emocional, no desenvolvimento cognitivo e no armazenamento das memórias.


Com ele, há a integração e processamento de informações emocionais e sensoriais, o que influencia em como as experiências são vivenciadas e interpretadas pelo sujeito.


No primeiro filme, já percebemos desde o início, desde o nascimento de Riley e suas primeiras interações, a relevância do sistema límbico e de suas experiências iniciais para formar a base emocional. Ao sentir a presença carinhosa dos pais, já surge a Alegria, que toma papel essencial no filme e no gerenciamento emocional de Riley. Assim, as primeiras memórias-base da personagem estão ligadas ao carinho e cuidado.


Com o choro – um sinal de que há um incômodo e uma necessidade a ser suprida – aparece uma nova emoção: a Tristeza. Com ela, há uma sensação de desconforto ou desprazer. A alegria, com seu desejo de manter Riley feliz, busca impedir que a tristeza gere efeitos em Riley.


Tristeza deitada no chão e Alegria sorrindo tentando animá-la - de Divertidamente 1

O manual de controle de Riley indica que a Tristeza não pode ser rejeitada ou colocada de lado. Isso sinaliza que a tristeza tem um papel fundamental na vida da menina, apesar de ainda não ser possível ela e Alegria compreenderem nesse momento.


Assim, as tentativas de Alegria de impedir a Tristeza logo se mostram infrutíferas, visto que mesmo a Tristeza é essencial para a vida de Riley.


Também é possível perceber, que diante de tantos desafios, Riley vive processos internos complexos. Um que se destacou foi o impulso de Tristeza em tocar nas memórias de Riley, mudando a cor das mesmas. Essa metáfora é interessante por sinalizar a capacidade da Tristeza mudar completamente a carga afetiva de determinada memória, mesmo que no momento que foi vivenciada fosse uma memória alegre.


Dessa forma, a Tristeza auxilia Riley a refletir sobre as mudanças que houve em sua vida e também as mudanças na perspectiva de futuro. Atente que nossa história está sempre mudando e mesmo a forma que vemos o passado pode mudar. Assim, vamos recontando nossa história dentro de nós, podendo dar novos significados a ela.


Tristeza de Divertida Mente segurando uma esfera de memória

Assim, o nosso estado emocional atual pode influenciar o modo como vamos lembrar de experiências passadas. Portanto, as emoções não são categóricas, elas envolvem uma atuação mais complexa e profunda. Assim, com as experiências de Riley, outras emoções vão surgindo e sendo vivenciadas, acrescentando recursos à sala de controles de Riley. E tornando sua experiência emocional mais complexa.


O que nos faz perceber o quanto cada emoção apresenta um papel importante na vida de Riley, ajudando-a a lidar com os desafios. Com a Alegria, Riley experimenta bem-estar, positividade e ânimo, contribuindo para sua autoestima e suas relações, contudo se descontrolada pode gerar euforia e negação. Enquanto a Tristeza, tão frequentemente vista apenas por um olhar negativo, se mostra importante para gerar empatia e auxiliar a processar perdas.


Ela é importante para a introspecção e elaboração de experiências, por outro lado, se não for bem regulada pode trazer negativismo e passividade. O medo auxilia Riley a evitar situações perigosas e o nojo a distancia de substâncias nocivas (tanto em questão de alimento, quanto em questão social), enquanto a raiva a ajuda a se defender quando se sente injustiçada.


Portanto, a questão não é evitar certas emoções, afinal todas são importantes. Em vez disso, devemos considerar a intensidade e a forma que reagimos diante delas, para regulá-las de forma que sejam úteis e benéficas às nossas vidas.


Tendo em vista que as emoções são funções estruturantes da nossa consciência e da nossa personalidade, ao lidar bem com elas e ao aprender a regulá-las, encontramos um caminho mais saudável ao longo de nossas vidas. Mas se tentamos reprimi-las ou agimos de modo rígido e unilateral, essas emoções podem se tornar ainda mais resistentes e nosso sofrimento pode ser maior, podendo acarretar prejuízos.


Memórias, ilhas e esquecimento: Construindo a identidade

As memórias-base são representadas pelas esferas coloridas (de acordo com a emoção) e criam as ilhas flutuantes (Ilha da Honestidade, Ilha da Família, etc.), que influenciam nos pilares da identidade de Riley. No entanto, nem todas as memórias são criadas iguais, sendo algumas essenciais para o nosso desenvolvimento. Algumas podem ser alegres, enquanto outras podem ser dolorosas ou, mesmo, irrelevantes e esquecidas.

Raiva, Medo, Alegria, Tristeza e Nojinho de Divertida Mente olhando as ilhas de Riley

As memórias estão envoltas de carga afetiva e estão muito relacionadas ao hipocampo, que registra aquelas mais marcantes e emocionalmente intensas, geralmente as que geraram emoções dolorosas ou alegres muito intensas. Tal carga afetiva mais intensa pode ser tão profunda a ponto de gerar mudanças nos pensamentos e comportamentos do indivíduo e moldar sua personalidade.


A formação das ilhas representa as memórias criadas através das mais diversas experiências vivenciadas por Riley que contribuem para a criação de suas crenças e de seu senso de si. Na infância da Riley, temos a Ilha da bobeira, da amizade, da honestidade, da família. São tais situações e experiências que vão contribuindo para o desenvolvimento das crenças que Riley tem sobre ela própria, bem como sobre o mundo, os outros e o futuro.


Outras emoções

Ao longo dos dois filmes, Riley embarca em uma jornada de autodescoberta, aprendendo a navegar pelas complexas nuances de suas emoções. Ela compreende que todas as emoções, inclusive a Tristeza e a Raiva, são válidas e desempenham um papel importante em sua vida.


Conforme sua adolescência chega e ela passa por novos desafios (2° filme), como o distanciamento de suas amigas, novas emoções aparecerem para trabalhar na sala de controle. A Ansiedade, a Vergonha, o Tédio e a Inveja podem parecer muito incômodos, tanto é que dominaram a sala de controle e percebemos o tamanho estrago que tais emoções causaram nas relações de Riley, afastando-a das amigas, brigando com os pais e não se sentindo boa o suficiente.


Contudo, são essas mesmas emoções que, quando trabalham em conjunto com as demais e de forma regulada, contribuem para a rica e complexa experiência emocional dessa etapa da vida de Riley e a auxiliam nos desafios que se impõem. Portanto, não se trata de evitar as emoções desconfortáveis, mas sim de manejá-las para não se tornarem intensas ou prejudiciais para nossa saúde.


Podemos perceber isso na Ansiedade. Ao longo da trama, Alegria vê a Ansiedade como a grande vilã que só prejudica Riley. Por outro lado, ao mesmo tempo, Ansiedade apenas quer proteger Riley e ajudá-la a alcançar seus objetivos.


Claramente, a Ansiedade estava fazendo isso de forma exagerada, gerando prejuízos para Riley. Porém, isso tem a ver mais com a intensidade e ação desenfreada causada pela preocupação intensa de Ansiedade do que com más intenções.


Ansiedade, de Divertida Mente 2 olhando e interagindo com as outras emoções

Contudo, é muito cativante ver, ao final do filme, a Ansiedade conseguindo alcançar um nível manejável que beneficia Riley e ver a Alegria percebendo e reconhecendo que ela havia cometido o mesmo erro da Ansiedade, visto que a Alegria também estava decidindo o que Riley deveria ou não lembrar.


Ao longo dos dois filmes, percebemos como as emoções vão evoluindo e se adaptando para trazer uma experiência emocional mais estável e saudável para Riley, mostrando um amadurecimento mental saudável e a resolução adequada para os conflitos que Riley vivenciou.


Essa jornada de Riley nos convida a fazer o mesmo. Ao aceitarmos todas as nossas emoções, sem julgamentos, podemos alcançar um estado de equilíbrio emocional e construir uma relação mais autêntica e saudável com nós mesmos e com nossas emoções.


Contribuições do filme

Com sua narrativa envolvente e personagens cativantes, Divertida Mente 1 e 2 transcendem o gênero da animação infantil e se transformam em um rico material para análise psicológica.


O fato de ser uma animação que atrai o interesse genuíno de todos públicos, inclusive o adulto, a torna um recurso muito importante para os psicólogos e para a psicoeducação e conscientização das pessoas sobre suas próprias emoções.


Personagens de Divertida Mente 1 na tampa em cima dos personagens novos de Divertida Mente 2

Ao personificar as emoções e explorar seus papéis em nossas vidas, ambos filmes nos convidam a refletir sobre a complexa teia de sentimentos que nos molda como indivíduos e como esses ‘personagens’ vêm agindo em nossas próprias vidas no nosso cotidiano.


Não precisamos, nem é saudável, suprimir as emoções ditas negativas. Na verdade, tentar impedi-las pode torná-las ainda mais fortes e resistentes, enquanto permitir que elas passem pelo nosso organismo abre caminho para logo elas se dissiparem. Muitas vezes, a necessidade de controlar a emoção e não conseguir pode gerar mais sofrimento do que simplesmente se permitir sentir a emoção. Podemos aceitar e compreender todas as nossas emoções, abraçando a alegria, a tristeza, a raiva, o nojo, o medo e todas as nuances que compõem a paleta da nossa existência.


Um convite à reflexão:

Que tal aproveitar esse convite para mergulhar em suas próprias profundezas emocionais? Qual emoção tem dominado sua vida? O que ela pode estar te sinalizando sobre suas necessidades atuais?



Riley e emoções de Divertida Mente 1 e 2

Observe suas emoções com atenção, sem julgamentos. Permita-se sentir a alegria, a tristeza, a raiva, o nojo, o medo ou seja qual for a emoção que estiver surgindo.


Lembre que cada uma delas tem um papel importante a desempenhar em sua vida. Ao aceitar todas as suas emoções, você estará mais próximo de alcançar o equilíbrio emocional e construir uma relação mais autêntica e saudável consigo mesmo.



Precisando, estou aqui <3


Luiza Teixeira Natale

Psicóloga clínica

CRP 05/77673

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